segunda-feira, dezembro 26, 2005

Andar cabeça baixa




















Alto lá aonde vai?
Com esse andar cabeça baixa
Avisa lá onde for
A vida é muito curta pra viver
E longa demais pra morrer

E nesse vôo eu vou por onde duvidar
Na espera da mudança desse mal me quer
Que sem querer tomou esse céu daqui
E de tristeza chorou no chão de lá

Acredite em mim eu também não sei
São tantas portas abertas
Com muitos infinitos depois delas
Quem disse qual é a certa mentiu
O caminho é mesmo sem destino
Do que resta só nos resta tentar

A gente esperando do mundo
E o mundo esperando de nós
Mas e o coração onde está?
É dele que sinto saudade.

Foto por Mark Freedom

sábado, dezembro 17, 2005

Morte em vida de enganos e desenganos














Vai com Deus e com meu adeus
Vai levando tudo
Tudo de mim!

Os meus olhos tristes
Leve-os para ti
Porque já não cabem mais aqui
Lágrimas e traição

O meu sorriso escondido
Deixe-o ali
Vou guardá-lo até ter
Alguém que o mereça ver

O meu coração empedrado
Vai ficar esquecido
Como pedra jogada do alto do abismo
Perdida pra sempre perdida

Minha esperança segue dormindo aflita
Morreu a ânsia de dizer minha querida
Morreu o eu
Morreu o você

Enterrados juntos sob a mesma frase
Quem não vive o amor
Dia a dia adia a vida.

Foto por Bruno Miranda

quarta-feira, dezembro 14, 2005

Esses dias de silêncio




















O que fica gravado no ouvido
Aquilo que fica deitado no colo
A batida do pé no chão não demora
A boca cantando bem alto lá fora
Canção que eu não esqueci
Samba canção pra você de mim
Sou eu aqui pedindo atenção
Nesse meu jeito calado de canto
Desse meu jeito sambado de branco
Cintura dura de pouco balanço malandro
Mas eu vou mesmo de lado, calado, chamando
Te chamo porque amo um tanto
É que sou mesmo assim
De muito olhar e pouco falar
Essa é a verdade do meu silêncio
O meu silêncio só quer te escutar.

Foto por surpresa atrás da porta

segunda-feira, dezembro 12, 2005

Padecente







Hora é a senhora do tempo
Vingança em foice de vento
Ceifando os fracos por todos os lados
Sorriso dos nobres por todos os cantos
Chegaram aqui por não saber por onde ir
É tudo cenário de pecado
Cortejo de sepultados
Falsos cadafalsos se movem sem parar
Entre loucos andantes de mente sã
Olhares impávidos trêmulos de dor
Sábios oradores leitores do fel
Ricos miseráveis de palidez azul
Envoltos pela luz cega da Meca do clã
São muitas cadeiras e poucas mesas
Sem ninguém a jantar e todos com fome
Nada de céu e muitos anjos a gorjear
Vão pelo alto sem ver os caminhos em moinho
Não se importam e cortam suas asas tingidas
Do longe voltam catando gente como que milho
Jogam as migalhas escravas rasteiras como serpente
Mentem, e mentem, e mentem!
Continuam convertendo
Convencendo essa gente que não é mais gente.

sexta-feira, dezembro 09, 2005

Quando um é par















A gente aceita quando escolhe
A velha receita se descobre,

A gente cansa de ver
E não acredita como é simples viver,

A gente não morre pelo que vê
A gente só morre pelo que crê,

A gente não vive sem um sonho
Tão só vivem loucos sem sonhar,

A gente quer amar
Como se viu na foto
Com por do sol e mar,

Mas a gente se perde na luta
Que não pede pra lutar,

A gente ainda consegue sorrir
Mesmo sendo sorriso sem motivo,

A gente se obriga a continuar
Mesmo sem ter por onde caminhar,

A gente corre sem cair
E cai tentando seguir,

A gente dorme esperando acordar
E acorda querendo dormir,

A gente canta querendo encantar
E quando encanta quer desencantar,

O que a gente quer?
Querendo sem saber
Quer ter, tem que cuidar
Porque a gente não pode descuidar
De quem está do lado de cá,

A gente nasce e morre pequeno
Vive pouco cada momento,

Na paisagem do tempo
Rugas e um olhar sereno,

Mas a gente continua
E a cada dia muda,

Muda-se à distância
E aqui a gente se cala,

Adormece na luz fraca
E indo assim
A gente se ama
Feito filme de herói
No fim carrega a dama,

A gente vive e deixa viver
A gente é gente
E cada um sabe o que sente
E cada um se pertence.

Foto por surpresa atrás da porta

quarta-feira, dezembro 07, 2005

autópsia















Onde está você que se foi
E já não vejo mais em mim
O tempo levou e nem percebi
Quando não estavas mais aqui
Tão longe quanto as sombras
No meio das ondas a desmoronar.

Oh parte amarga de mim
Oh parte surda de mim
Não percebe mais a voz
Rangendo neste inicio de fim.

Mesmo assim procurei minha forma
A norma que um dia me guiou
E o hoje é passagem de ida
Entre caminhos fingidos
De vozes teimando em chamar
Por alguém que não está mais aqui.

Pois então onde está você
Onde está aquele que a voz persegue
Secou, ruiu as aparências visíveis.

Oh parte escondida de mim
Oh resto nefasto de mim
Só me fez capaz de ser
Memória esquecida de mim.

Afaste-se porque quero pisar com meus pés
Tudo aquilo que renunciei e enviei ao fogo
Não saberei quando me verei novamente
Não mais que contente me desfiz em um só partir.

Desfez-se então tudo que refletia em meus olhos
O resto que ali sobrou fez-se lagrima e ultima
Palavras já não entendo e vozes já não escuto
Dia após dia me desfaço inutilmente tentando me conservar.

Não precisarei mais falar e nem sentir
Porque tudo nunca esteve mesmo aqui
Só apaguei as máscaras e as fantasias
E nesse tempo conto o tempo perdido
Aprisionado no castelo da minha existência.

Foto por surpresa atrás da porta.

quinta-feira, dezembro 01, 2005

Bons sonhos









O que fazer? O que sentir? De que lado estar? A onde ir?
O que responder? Como fazer? O que ver? Como conseguir?
Perguntas?Respostas?
Não sou eu que vou dizer
São eles que controlam você sem você nem mesmo saber
Escolheram suas cores, suas bandeiras e seus ideais
Só esqueceram de escolher o melhor pra você
Plantaram as estrelas acima do céu de horror
Basta olhar os lados afastados e ver
Como cada um sangra por sua ganância
Basta chorar pra sentir aqui
Eles recolheram suas lágrimas não te deixando reagir
Esses deuses matam enquanto nós temos outros planos
Você age em vida quando vive seu sonho
Abra seus olhos, desperte do sono!
Você age em vida quando vê onde estamos
Continuamos assim a promessa de não envelhecer
Continuamos sendo até o fim meninos humanos
Tudo que deixamos de ser pra ser o que somos.

Foto por Bruno Miranda

domingo, novembro 27, 2005

Duas crianças










Quero as balas mais doces e coloridas
O vento frio do escorregador mais alto
As rodas pequenas da bicicleta vermelha
Quero sentir a onda bater na prancha de isopor
O picolé de coco do meio dia com palito sorteado
A sessão da tarde com filme reprisado
Quero o inocente gosto de felicidade no rosto

Quero o algodão rosa do parque barato
O rifle com rolhas e os ursos malhados
O tempo de não perceber que o tempo passava
Quero de volta tudo que foi abandonado
O sonho de crescer com ideal de criança
A ânsia de correr e de ser herói
Quero o inocente gosto de felicidade no rosto

Quero o sabor do churrasco da casa de praia
O cabelo verde do cloro da piscina
Um pouco da terra do morro de poeira
Quero o cachorro Pelé não um qualquer
Os chocolates nas arvores e as mangas frescas
As cartas de baralho espalhadas pela mesa
Quero o inocente gosto de felicidade no rosto

Quero a primeira namorada sem tristeza
As uvas verdes e roxas da noite de natal
Tudo que era grande por eu ser pequeno
E tudo aquilo que chegava devagar e sem tempo
Meus muitos amigos na grama e a bola
As quatro rodas no asfalto e os joelhos ralados
Tragam-me tudo antes que eu não sinta mais nada
Porque o que tenho agora só me cega os olhos
E quando penso é como me trair é como não sentir
Quero de volta o espaço na alma para os sorrisos de infância.

Foto por surpresa atrás da porta


sexta-feira, novembro 25, 2005

Antes de morrer













Aponta a ponta
Na certa acerta
O alvo a seta espera
Acerta no alvo

E se foi sumindo
Zunindo contra o vento
Chegando e acertando
Tiro certeiro bem no meio
Me mudou por inteiro

O sangue correndo
O coração batendo
No rosto vermelho
Os olhos em desejo

Se esperar chego cantando
Se correr corro em pranto
Dor de poeta não tem cura
Não tem manto nem encanto
Que a faça partir

Morri de infarto profundo
Do alto da flecha no alvo
Sussurrei encantado
Seu nome.

Foto por surpresa atrás da porta

quarta-feira, novembro 23, 2005

Até quando















Aqueles são os descontentes subindo a ladeira
Vão depressa com a promessa de voltar
Aqueles são os descrentes saindo de mão cheia
Vendendo suas almas por um pouco de conforto
Enterrados em vida dentro de seu próprio corpo

Pai levanta da cadeira pra olhar
Aqui nem todos fazem do desgosto
À vontade de lutar

Pendura esse cartaz
Diz que pra você
Não é mais um tanto faz
Diz o que você me ensinou
E porque me tornou capaz

Aqueles são os covardes construindo maldade
Pedra sobre terra ao sol cor de sangue
Aqueles são os suspiros da saudade
Indo embora com a verdade
Daquele tempo que não volta
E da demora de dizer que não se nota

Tudo acabando assim
Sem perceber que é ruim
Tudo tão derrepente
Que não se sente o fim
E agora por onde devo ir

Pai levanta da cadeira
Me ajuda a virar a mesa
Pois não sei por onde
E se devo começar
Ou me afogar no desespero
Amarrado na corrente
Dessa gente que não se entende
E se entrega a solidão

Pai vem, por favor,
Me ajuda a dizer um não
Pai por favor,
Vem segurar na minha mão.

Foto por Surpresa atrás da porta

sexta-feira, novembro 18, 2005

22:50




















Os sinais de sua partida ficaram visíveis neste silencio
O tempo se debruçou na varanda escondida do quarto andar
Fazendo de mim e do que ficou abandono e solidão

Não és mais tu uma parte de mim
E sim eu mesmo por dentro de mim
É como ficar órfão de si

Com pernas invertidas procurando cada uma seu canto
Espero o tempo resolver me levar na folha do vento
E colocar minha felicidade num barco de partida

Sua falta só me faz querer-te mais
Deixo meus olhos ante a porta
E neles vejo o chorar
Fez-se destas lagrimas o mar
Enfim pode ir meu barco navegar
Até você e de volta a mim.

Foto por surpresa atrás da porta

terça-feira, novembro 15, 2005

Algum conforto















Já esqueci o que ia dizer, já rompi o pensamento com outra preocupação, meu tempo tem se tornado mesquinho e me deixado longe e só de mim mesmo. Meu cansaço segue apesar de continuar tentando sufocar o que me faz enfraquecer. Vampiros internos estão me sugando e me deixando doente, estou doente! Preciso de tempo e de espaço, preciso respirar algo com alguma cor. Ando precisando muito mais que números e suas operações matemáticas me trazendo algo mais que a conta dos pedaços mordidos da minha alma. É muita sala pequena! É pouca luz! É muito veneno e pouca cura!
Quero um tempo de alguns lugares que considero comum, torturar o tempo até matar algumas verdades veladas, aproveitar e varrer o senso comum que pertinentemente me assombra, me suga o sangue quente e me deixa frio.
Já perdi a mão da caneta e agora passo a escrever somente com a ponta dos dedos, e o pouco que escrevo não escuto, não sinto o tom, tudo é preto e branco como a pálida cor de chuva e de agonia que me adorna, me molda, me fixa. Sou dois corpos sendo um por dentro que luta, se debate, enquanto o outro aprisiona e se contenta.
Há tanto pra mudar, e tudo fica tão inerte, há tanto pra quebrar, e ficam tantos construindo. E os vampiros continuam a caminho, continuam seguindo a mim e a todos, pelos cantos, pelo invisível manto da vaidade, da ânsia, e por todo canto sem cor.
Tragam-me luz! Tragam meus tambores perdidos! Um pouco de papel e caneta! Tragam estacas afiadas! Tragam-me de volta a mim!

Foto por surpresa atrás da porta

sexta-feira, novembro 04, 2005

Redentor




















Não vou te acordar
Queria mesmo só entrar
Talvez ver um pouco mais
Talvez mudar o que ficou
No banco de traz
Ou no tanto faz

Das palavras perdidas
Nos lábios tremidos
Coagidos de aflição
Por querer-te demais
Por esconder-te de ti
Cobri a visão
Cumpri a missão
De te evitar
E não me causar
Traição

Sigo um descaminho sem fim
Me encontro num desencontro
Por fim só assim
Calado me ponho em mim
Fingindo um ser perfeito
Daqueles sem defeito
Que há tempos não se faz

Mas na verdade
Acreditei na simplicidade
De resolver com as mãos
Segurando no peito
Um coração fugitivo
A procura de alivio
Do amor que te dei.

Foto por Paulo Cesar

quarta-feira, novembro 02, 2005

Tão assim




















É preciso ter pressa pra se conhecer a calma
E da alma tenaz se faz um leve coração
É preciso ter força pra se ter e perder
E da derrota aprender como é doce chorar

Digo isso a mim tentando viver em paz
Por tudo que me traz ao contrário que pedi
E se peço mais é por que ainda quero dividir
O que tem demais em ser um pouco infeliz
É preciso viver assim igual e diferente até o fim

Naturalmente sem estranhar
A desigualdade também faz par
Meu copo cheio e o seu vazio
O meu arrepio e a sua palidez
O meu devaneio e a sua sensatez

De pouco a pouco a vida vai nos juntando
Andando lado a lado de braços dados
Sentindo devagar o amor chegar
Pra repousar no lugar devido
E quando nada mais é dividido
Somos eu e você a única parte.

Foto por Dyna Hoffmann

sábado, outubro 29, 2005

Irmãos de carne e choro

















Penso como seria um dia não ter pele pra sentir
Não ter no rosto olhos a me contar como tudo está
Penso como seria a falta de pés pra chegar ao lá
E sem mãos para outras mãos encontrar o nó
Penso em poder ter aquilo que quero pegar
Mas sei, nem tudo está naquilo que posso ter.
Penso que tudo que sou esta mais fora do que dentro
Porque dentro é alma e fora é humano
Alma continua, viaja, retorna e não morre.
Humano erra, pede desculpa e sofre.
Por isso digo, sou o que está por fora
Pode ser mentira, mas é a minha verdade.
O que forem querer os doutores dizer
Deixo que digam, mas me deixem ser.
Deixe-me ser o que quero
Só espero liberdade
Só desejo ter a mim e poder me servir
Sem tolerar o olhar torto de quem me vê de lado
Se pertenço a alguém, esse está aqui.
Não me venha querer fugir
Me esconder ou murmurar
Sou o que vê e digo o instante que penso
Sou da terra não sou do céu
Nunca fui anjo e sempre fui carne
Não sou da maldade e não tenho preço
Mas sei como é fácil se perder
Quando você sabe que apenas não sabe
Volto ao ponto e lhe digo sou real e humano
Por isso perdôo e chega de pranto.

Foto por Cacá Lima

quinta-feira, outubro 27, 2005

Depoimentos













Finjo falar da mesma forma usando a mesma formula
Tento ser sentido pra mim e desentender de mim
Palavras publicitárias com teor de nada
Toda essa farsa em lata e toda a produção de mascaras
Mudança de conceito pra manter tudo do mesmo jeito

Oh mundo de voz estéreo e visão digital
Mundo fechado achatando as almas
Nas alcovas dos nobres palácios terrenos
Existem negros nos porões esquecidos
Aos gritos o silencio condenado
No pranto se paga o que foi comprado

Oh deuses de voz feroz e enaltecida
Nas suas vestes brancas tentamos escalar
Pedir, suplicar, rastejar e até não pecar
Tentamos chamar atenção ao que resta de nós
Em vão, em vão é o aguardo já esquecido
Então fingimos novamente sermos os seres obedecidos
E voltamos ao chão aos pés dos mandantes

A grande onda navega a espera do sim ou do não
Com total benevolência eu sou como mil corpos
Todos franzinos, todos, quase mortos
Vagando pequenos olhos pela noite
Pela pequena moldura no fundo do arcabouço
Procurando outras palavras e filtros
Na vontade de ter outra cidade que não essa

O barulho da maquina me diz
Acorda pequeno tolo, desperta-te a tua vida!
Só tens vida escrava com fim de morte submissa
Acordo no mesmo lugar, parado escavo com as mãos
Escravo sangue negro em pele e olhos baixos
Aceita o que lhe é dado!
Pelo mundo que pagou barato por sua derrota

Mas as fabricas não podem parar
Ao som das engrenagens estão todos a dançar
Aos felizes sorrisos e os tristes não vejo
Ninguém vê o que se mantém no escuro trancado
E as fabricas não param, fabricam lâmpadas
Escolhem quem iluminar
No foco da luz habitam olhos pequenos
Os mesmos corpos franzinos de meninos e idosos
Como eles, como eu, resolvem nos chamar atenção
Guinando nosso olhar marejado e covarde
Ao encontro do pouco daquilo que nos permitem ver

Do pouco que vejo e do muito imagino
Semeio minha mente e tento lembrar
Buscar na dormência guiada a primeira vista
A primeira morte do inicio dessa vida
Eram homens, eram fortes, eram nobres
Muito ouro nas mãos e muito vermelho nos olhos
Desceram do cerrado trazendo até nós o descampado
Grandes maquinas amarelas queimando o verde
Torcendo as florestas e campos deixados em cinza
Cor de madeira retorcida, cor de alma corrompida

Relembrando o que disse no inicio desse escrito
Finjo! Fingimos! Já estamos cegos e mortos
Já somos nós as maquinas em caixas
Ombro a ombro esperando o comando
A voz segue o botão aperta e a bomba cai!
E se já não caiu que caiam duas, três, quatro ou cinco mil
Trazendo demovo os caminhos de gelo e o golpe
O primeiro giro da roda e o primeiro fogo
Recobrar a inocência das mãos virgens de ossos curvados

É tudo que lembro a principio e o resto é o que está aqui
Nisso que pisas, nisso que não vês e não queres ter
Eu faço parte, sou culpa sem desculpa!
Faço parte do escuro desse beco e mereço
Sei que mereço o todo desse pouco
O oco desse corpo morto que deixei apodrecer
Deixei me render, deixaram todos também
Mas eu poderia ir diferente mesmo que indo só
O grande problema é que não sobrou ninguém
Pra cumprir a pena!

foto por Sergio Rodrigo

quarta-feira, outubro 26, 2005

Sr. Vianna


Já faz quatro dias que nada escrevo, que nada penso sobre mim, você, os outros, a rua logo aqui em baixo, ou tudo que acontece ao contrario que penso ser. Não me importo, mas confesso que me cobro um pouco de ação, um pouco do que não consigo ser no momento que quero ter. E talvez seja essa uma das grandes paredes que fecham a vontade de quem quer transformar em palavras sentimentos que muitas vezes só podem ser sentidos por um toque ou um olhar. Estou de luto com a gramática.

Tento passar minha angustia nessa ultima hora não pensando em nada disso e deixo nas mãos do acaso o que virá e se não vir se acabou, enferrujou, não era pra ser, foi só o que foi. Escutando a tv falando baixinho ao meu lado lembro uma de minhas experiências mais surpreendentes nesses últimos tempos, e pra quem me conhece sabe como é difícil pra mim puxar conversa com alguém que não conheço. Sou pura timidez.

Voltando de lua de mel, ultima escala antes de casa, sentei ao lado de um cara no avião, uma pessoa facilmente notada por sua aura e por sua história. Depois de muito refugar resolvi iniciar uma conversa porque sabia que deveria partir de mim o primeiro assunto, e muito pensei antes de proferir a primeira vogal da minha boca seca, e também já estava me preparando para uma resposta curta e uma descontinuação permanente de uma conversa entre dois desconhecidos, só que um, e esse era eu, não sabia que a fagulha da minha experctativa viraria chama em uma prosa que não iria terminar antes de um sincero e fraterno abraço e de um beijo como só aquele que dou em meu pai, irmãos e em alguns pouquíssimos amigos.

Para o meu completo engano desde as minhas primeiras palavras uma continuação de assuntos e sintonia revelou uma pessoa distante ficar tão próxima de mim. Foram os quarenta e cinco minutos mais curtos da minha vida. Eram tantas historias, tantos momentos críticos passados por aquele homem, eram tantas perdas e amores recusados, era tanta dor e alegria dividida, que algumas lágrimas caíram dos meus olhos porque já não encontravam um lugar no meu corpo que já era um só mar.

Sempre me recordo desse dia, dessa pessoa que em alguns minutos conseguiu mudar vários conceitos em mim, e ele ali sentado, não sabia que ao me levantar eu seguiria diferente.
Ficou marcado um comentário na minha cabeça quando ele me perguntou meu signo e eu disse: gêmeos! E ele: “gêmeos normalmente são contidos, você é diferente, é emotivo!”.

Percebi a diferença entre um estranho comum e um estranho com sentimento, e a grande distancia é o que se carrega por dentro e o que se divide com quem senta no banco ao lado.

Ao Sr. Vianna deixo em testamento todos os abraços que não pude lhe dar, e levo comigo todo o carinho que posso carregar.

Foto por Sebastião Salgado

sexta-feira, outubro 21, 2005

A todos vocês















Quero esquecer dos livros escritos
As páginas marcadas pelos últimos lidos
Esquecer como se faz
Reaprender o não saber
E se tudo é tão igual
E se tudo é tão normal
Então eu devo agir.
Desaprender as teorias
Decoradas pela vida
Nos tempos de hipocrisia.
Não escutar o que é dito
Não ver o que é claro
Não me contentar com o que é barato.
Dizem pra você que já está tudo feito
E que não há nada a fazer
Querem te fazer entender
Que está tudo pronto pra você
E que se nasce pra vencer
E na história sempre vence quem tem poder.
Eles querem te vender a vitória
Roubando toda a verdade de você.
Mais um dia sobre outro dia
Sobre a farsa comum viver
E na ganância de ver o sol nascer
Fazem de tudo que se pode fazer
Escolhem até o lado da sua face
Pra na sua carne bater.
Só há uma forma de aprender
É esquecer
Só há uma forma de lutar
É se levantar.

Foto por Adriana Paiva

quarta-feira, outubro 19, 2005

O que você vê?














Sento aqui fora da prisão
Dentro da dor que incorporo
Escrevo pra ter alivio do corpo
Por não poder correr ou morrer
Quando a vontade vem
E ela vem, sempre vem.

Digo o que vejo e o que me persegue
Descrevo as noites de insônia
Em um pedaço pequeno de papel.
No pouco que me sobra do real
Tento mudar o meu mesmo lugar
E tudo que penso ser mofo do conforto
Tento matar com ar renovado.

Escrevo pra saborear
O doce que não posso provar
Escrevo pra escutar
As vozes que acordado não posso ouvir
Venho aqui e bebo o vinho
E como castigo aprendo a sentir
Porque não me controlo e nem posso
Sou escravo de mim.

Escrevo apenas porque vivo
E tento ler pra poder me ver
Nesse alento tento me reencarnar
E se realmente sou assim
E se realmente estou aqui
Ou sou eu a seguir deitado
Levado pelos braços de qualquer cortejo negro
Se sou eu mesmo dentro da minha carne com osso
Ou se já morto insensível e a tempo sepultado.

Foto por José Silva Pinto

segunda-feira, outubro 17, 2005

sinto saudade














Olho a janela e não penso em nada
Porque não a nada a pensar
Então sinto o vento e vou
Sem pensamento por onde me leva
Sem querer saber o caminho
Por que não acredito em destino
Desconheço a lógica e suas formas
Sou filho do pouco que me sobra do acaso
Não acredito em nada que não seja espontâneo.
Estes são meus olhos fugindo
Caindo pela janela quadrada
Simplesmente não penso
Só olho e sinto o vento.
Sou como pedra
Como a arvore enraizada
Parada na cinza calçada
Apenas aceito o vento
Se frio for se quente quiser
Olho meus pêlos agindo
Nem tenho o poder de mandar em mim
Meu corpo me manda
Meu corpo me tem
Não sou nada e ninguém.
Apenas olhos sentido o vento
Vendo as folhas carregadas
Fragmentos da vida seca que chega
E tristeza ingênua ancora
Na saudade rascante dos amigos
Que o tempo levou e que o vento não traz
E eu sinto, sinto um tanto!
Sinto pelos olhos
Sinto pela boca
Sinto pelo nariz
Sinto pelos ouvidos
Sinto por toda pele
Sinto a dor que geme
Sinto a dor que treme
Sinto o vento gelar no rosto
O sal da lagrima corrente
E nada mais me ocupa o tempo
Só o vento, o vento, o vento...

Foto por Bruno Miranda

sexta-feira, outubro 14, 2005

Oração











Podem me comer a ceia
E me roubar a casa
Podem me roer a alma
E me colocar na caixa
Só não me tirem você

Podem me esconder a rua
E deixar minha pele nua
Podem me coroar santo
E me imputar um nome
Só não me tirem você

Podem crucificar meu pranto
E dizer que enfermo sou
Podem rezar a dor
E me proibir a cura
Só não me tirem você

Podem me trazer o fel
E me rasgar os tambores
Podem me privar os arpejos
E negarem meus desejos
Só não me tirem você

Que caiam das nuvens espinhos
E dos morros raiva e fogo
Que venham todos armados
Tentar me arrancar do seu lado
Que venham todas a pragas
Invadir meu corpo e torna-lo alado
Mesmo assim ficaria em mim
Seu gosto, seu rosto no meu peito tatuado.

Foto por Sebastião Salgado

quinta-feira, outubro 13, 2005

O cão e o diabo









Com os pés nesse asfalto negro
Derreto minhas mãos em continência
Na intenção de só sobreviver
Esquecerão de sonhar e de ser

Olhando minha alma pela segunda vez
Sinto não ter nada mais a oferecer
Há não ser o momento de me perder
Sou humano demais
Pra continuar viver assim

Se não acredito no seu Deus
A culpa cai sobre o homem
Que o matou para enriquecer
E agora se arrepende do que vê

Dói muito mais em mim
Eu que desde pequeno acreditei em tudo
Sinto agora todas as palavras amargas
Em algum lugar entre perdão e poder

Vejo tudo de bom cristalizar
As cores mais verdes
As promessas de infância
Tudo que o mundo derrotou

Ceder a sede do comum
Seguir a falsa promessa
E ter a recompensa em moedas
É muito pouco pra quem quer
Amar, sorrir e cantar
Sou humano demais
Pra continuar viver assim.

Foto por João Pico.

terça-feira, outubro 11, 2005

Cadeados















Não acredito que precise de palavras difíceis
Porque acredito que tudo seja simples
Fecho os olhos pros conceitos
E preconceitos com a forma da minha prosa
Ninguém ensina a escrever
Porque ninguém ensina a sentir
Então deixo pra eles a visão das coisas
Enquanto as coisas são como são
Mal sabem eles como é viver sem razão
Estão sempre acentuando, virgulando, adjetivando
Tudo em cor de caneta vermelha
Tudo com livros de receita
E nessa teia nos apanham pra vivermos emoldurados
Construindo em serie seres enquadrados
Conceituando o todo certo e o muito errado
Porque nunca enxergam que o melhor no homem
Está naquilo que ele não vê e não sabe.

Foto por Marcio Negrão

sexta-feira, outubro 07, 2005

Pra nós dois














Ah meu amor não acredite no mundo como ele é
Acredite apenas em como você o vê
Não acredite nas pessoas como elas são
Acredite que você é diferente
E que nem todo mundo mente
Não acredite em mim quando apenas falo
Mas acredite sim quando te abraço e me calo
Não acredite na incoerência
Do desespero e da ânsia
Acredite no momento e na presença
De quem está a seu lado
Não em quem está a frente ou atrás
Acredite em viver em paz
Não acredite no que de errado der
Acredite no que podes consertar
Mesmo que vá devagar
Não acredite que nunca vai chegar
Acredite no que já percorreu e sofreu
Acredite que um dia tudo passa
Acredite na impermanência a sua frente
E não só no presente
Não acredite em se lançar pelo mar
E dele trazer só mágoa pra contar
Quando se afogas me afoga também
Quero que respires de minha boca se preciso for
Quero que acabe dentro de ti o horror
Viver sem acreditar
É viver a um passo da morte
É viver sangrando o corte
Que o tempo vai curar
Acredite no seu par
Acredite, acredite em amar!

Foto por Clarisse Requeiró

terça-feira, outubro 04, 2005

Olhos















O que importa a mim o que penso
Não devia importar a ninguém o que alguém pensa
O pensamento aprisiona
Deveríamos nós só olhar e admirar
Porque os olhos, estes sim, continuam em liberdade.

Não me importo em ver minhas palavras impressas
Me importo que sejam belas
Porque não me importo com que pensam
Só com que olham.

Tenho apenas um coração
Mas penso que outros homens poderiam nascer com dois
Pra não viver sofrendo demais
Pra não viver pensando demais.

A todos que se dizem artistas
Desejo que sejam débeis.
Invejo os que só enxergam
E apenas sentem com os olhos
Os que não relêem as palavras escritas
Porque assim serão palavras pensadas
Modificadas no desvio antes do coração
E na razão se perdem do belo.

Ver com os olhos
A natureza com que se nasce
E se é simples como é
Deixe simples como flor
Se pensado já é modificado
Feito pra agradar e vender
Feito pra ganhar quando não se importa perder
Feito pra mudar e não feito pra ser.

Foto por Armando F. Sousa

Metade













Quem tem um amor meu senhor
E pode dizer que ele é só seu

Quem tem um amor meu senhor
E pode dizer que por ele não sofreu

Quem tem um amor meu senhor
E por ele dizer que nunca esperou

Quem tem um amor meu senhor
Um daqueles que no acaso se perdeu

Sou filho único da morte breve
Do sorriso de antes alegre

Do andar de antes adiante
Da dor de agora solidão

Quem tem uma dor meu senhor
Por ela pode dizer o que é amor

Quem tem uma dor meu senhor
Pode dizer que um dia sonhou

Quem tem uma dor meu senhor
Daquela que é melhor não ser vivo
Daquela que não se tem nunca alivio

Hoje pode dizer que é metade
Da metade que se foi.

Foto por João Barros

sexta-feira, setembro 30, 2005

asas nos pés

...Essa história não se trata de uma fuga desesperada em direção ao norte, apontada pela sombra do sol esticando meu corpo nessa terra cinza. Também não me refiro ao anseio de abandonar o que colhi, embora me alimentar seja a maior porção da minha preocupação. Serenamente não vivo mais apenas por mim, sabiamente seguei meus olhos, amordacei minha boca, inundei meus ouvidos renhindo minha hesitação de enxergar mais longe, de entender o que digo e de escutar o que cala. Por isso e tudo chegou a hora de me lançar. Mesmo deixando tantos pra trás dessa vez não ia reclinar. Apertei meu santo entre mãos e lábios e pedi remissão.

Primeira viagem, primeira mala de necessidades, e o exercício do desapego por tudo àquilo que penso ser útil. O pó da antiga mala de couro é tirado com o devagar cuidado de uma mulher que teme a solidão do abandono, e no mais singelo acalanto balbucia lembranças da minha infância de pés descalços. Como quem diz não se esqueça que lutei pra que você não tivesse que lutar. Chorei pra que você não tivesse que chorar. Me coloquei de costas a sua frente para receber as chagas que eram pra ti. Vou ficar aqui mas quero te ver um dia voltar e melhor que agora poder te ver voltar a sorrir.

Horas se passaram e nos arrastaram pela madrugada uma longa conversa de sabor doce como as lembranças daquela primavera na casa de praia com os amigos chegando, e sobre as festas de natal na casa velha, a mesa posta, a ceia delicadamente ornada a espera, e as promessas de um novo ano sem os antigos vícios do passado.

Os primeiros feixes de sol burlaram a cortina contra minha vontade e me avisam que já é tarde, hora de partir! Pego a mala pé ante pé, beijo a testa daquela mulher de sono leve que num movimento lento e cheio de carinho sopra no meu ouvido suas sabias palavras de despedida: Não construa pra ti um caminho, tenha sempre asas nos pés para ir por onde o sonho quiser...

...CONTINUA

quinta-feira, setembro 29, 2005

flor

Venho caminhando pela calçada e vejo minha flor arrancada
Aquela tratada com água, sol e jarro acolhedor
Como pode ter o homem tamanha falta de amor?
E despedaçar uma pequena flor.
Tanto guardei, tanto cuidei, tanto protegi que a trouxe aqui.
E agora é só pedaço de flor que chora.
E de lá vem outro homem a me perguntar
Porque eu estou a chorar
Oh meu senhor, arrancaram minha flor
Tanto cuidei, e agora se foi, despetalou!
E ele sem pena no olhar me disse assim:
Ela já era triste
Desde quando fora arrancada do seu campo
Desde quando fora enjaulada nesse canto
Ouvi-se seu grito em vermelha cor.
Você a trouxe para cidade da desordem cidadã
Onde a maldade está na cor cinza do ar
No descaso com o escuro do mar
Onde já se queimou até verde olhar
Achou que na sua jaula de amor
Poderia aquela flor se tornar flor feliz?
Mas não meu amigo, flor não é ator.
Ninguém a roubou
Eu mesmo ouvi
Quando ela se suicidou.

Foto por Paulo Medeiros

quarta-feira, setembro 28, 2005

...


Meu maior consolo nesse momento de total desequilíbrio dessa colméia humana é saber que estou apenas desacreditado. Desacreditado? Isso ao menos me diz que eu um dia acreditei e por força dessa contra gravidade tornei-me “dês”.
Os anos foram responsáveis, hoje trinta, não sei quando essa conta acaba, mas sei que nunca diminui.

Um dia foi inocente, mas desde a invenção do fogo há milhões de anos o homem perdeu sua inocência e deu vida a conquista, ao poder e ao que a falta de poder faz. Desde o fogo nos vêem desacreditando, desmanchando, desumano, sinto, mas, nunca voltaremos a ser desnudos. Tempo demais, fogo demais.

O que me entristece é essa fagulha de desconfiança em quase certeza acreditar, e meus filhos? Como será? Em que eles vão poder acreditar? Não sei se terão a graça de ao menos se tornarem “dês”, não sei se eles vão nascer e ter em quem ou em que acreditar. Inacreditavelmente não sei se eles vão saber conjugar, um verbo que está em permanente mutação a caminho do abismo da extinção.

O humanismo acinzentou, não acredito mais no homem, não me parece mais humano, me parece mais como o bicho da maçã, que corre pelo cume da fruta tentando achar uma fraqueza pra que possa entrar. Me parece a larva procurando se entranhar na procura nômade por alimento que só ira tornar sua vida uma morte menos breve. Parece-me aquele missionário esperando o índio virgem retornar da mata para ele catequizar. Parece-me o sol do sertão árido, esperando cair o choro da criança pra também poder secar.

Seremos nós os vermes, seremos nós a doença a transformar essa terra em um só câncer? Imagino-me olhando de cima de um microscópio e vejo os caminho que cavamos, e as covas que plantamos. Sempre mais fundas sempre mais fria.

Onde está Deus nisso tudo, olhando sua mesa vazia e tentando de todas as maneiras exterminar a praga que assola sua plantação? Jogando sobre nós doenças, terremotos, enchentes, enxertando inteligência em nossas mentes para acharmos uma rápida maneira de nos implodir? Não, acho que não, nós já temos essa competência, adquirida no comercio inescrupuloso, no jogo atrás do jogo, na política atrás das mortes, na caneta atrás da má intenção, no antes verde e agora concreto esguio, na mentira antes da verdade. Até meu futebol de domingo foi contaminado! Onde estão os Deuses? Onde estarão os astronautas e suas promessas de cura?

Realmente não sei se teremos gerações em que acreditar, porque não sei se elas acreditarão, ou se já nascerão fadadas a somente decorar seu habitat natural sem nenhuma resignação.
Inconformadamente, não sei, estamos vivendo a reta, sem saber o que faremos quando a iminente curva chegar.

Não tenho Deus a quem pedir, mas se tenho quem me ouvir, eu peço um único e último desejo, antes do fim me deixe beijar meus amigos, me deixe ficar com minha família, me deixe dormir nos braços da minha mulher. Permita-me recobrar a fé.

Foto por Bruno Miranda

terça-feira, setembro 27, 2005

simples assim








As coisas são apenas coisas
Nada mais que coisas, mas
Quando a tratamos mais que coisas
Quando julgamos mais que coisas simples
Estamos perdendo tato e visão
Começamos a perder as coisas simples
Estamos acreditando em outras coisas
Querendo ver além das coisas
Ver o que não se mostra
Até não sentir mais o gosto
Do que se prova
Até esquecer das coisas
Que são as coisas simples
Até se perder na dor
Por não saber simplesmente sorrir.

Foto por Bruno Espadana

sexta-feira, setembro 23, 2005

Verdade?

A dificuldade da verdade está pressa a seu significado externo, interpretação e aceitação, são também muitas vezes confundidas com a falta de educação. Mas na realidade não passa de uma aleivosia venal, um mal cevado em nossas entranhas.
Hoje é preciso ter provas pra se aceitar a verdade, enquanto a mentira não precisa de provas, a mentira sim é uma verdade absoluta.
Mentimos nas pequenas coisas, pra agradar, pra justificar, pra tornar uma história mais interessante, pra não admitir nossos erros, pra achar outro culpado, e por inúmeras outras quase justificáveis razões.

O exercício de dizer a verdade é como acordar cinco e meia da manhã pra nadar no mar. A verdade é fria! Você disse a verdade por não ter ido aquele casamento? Disse a verdade por nunca ter usado aquele presente que lhe foi dado? Quando te perguntaram sobre o corte de cabelo? Ou aquele escarpam de pele de bicho? O porque de não retornar aquele telefonema? A sinceridade se tornou uma pequena candeia no meio da infinita escuridão.

Infelizmente a verdade soa mal, estamos nos sentindo mal por falar, e bem por omitir. Todos preferem ouvir confortáveis mentiras, todos preferem ser “agradáveis” como se agradar fosse parte do mentir, o pior é que está sendo. O famoso vírus da “mentira social”, aquele que nos insere em um circulo de pessoas que dão tapinhas nas nossas costas e depois saem falando mal regulando nossa distância com olhar por cima dos ombros. A cura desse vírus não está à venda em qualquer botica, é um típico mau hábito sem medicação.

Devemos querer ouvir a verdade mesmo que seja o que não se queira ouvir? A verdade que nos faz pensar, mudar, resistir , a mentira que nos faz acreditar no que não somos, no que não temos, nos faz cegos, e ainda nos faz mentir mais! Então escolha sua pílula! Azul ou vermelha?

Hoje em nossa sociedade a verdade é algo que se enganou.

Foto por Bruno Espadana

terça-feira, setembro 20, 2005

Moça










Nos pés rasteiros quase chão
No rosto cheio quase lua
Vem de braços em horizonte
Com constante sorriso nos lábios
No sempre sonho andante
Pra sempre menina maluca.

Queria eu ouvir a voz dos poetas
E fazer para ti versos cor de prata
Tendo refletido sua beleza exata
Perceber como é iluminada.

Olhe em volta dessa praça
Toda essa gente esperando
Ter uma migalha de sua graça
Você não percebe, mas eu vi!
Não tenha vergonha de sorrir.

Apresso-me em dizer
Tudo que digo pra você
Digo com a pressa
Medo da morte breve
Um dia me toma o ultimo suspiro
E me leva em vórtices a rodar.

Te prometo menina moça
Não me debater em aflição
Como uma medusa na chegada de um arpão.
Sinto que posso ser um anjo
E do seu lado invisível guardião.

Ah minha morte bem vinda
Faça do coração dessa menina
Uma casa de repouso,
Um asilo de atores,
Fantasia de ver a vida
Em sempre carnaval
Passando pela larga avenida
A dança da moça bailarina.

Foto por Bruno Miranda

sexta-feira, setembro 16, 2005

Prosélitos

Tava pensando aqui comigo sozinho, calado, na cabeça só o barulho do martelo fixando as tábuas dos tapumes pra que eu não veja, não sinta e não fale de “políticos brasileiros”. Mas antes de fechar a ultima fresta... Antes terei que mudar o Aurélio e criar novas definições de qualquer relação que eles tenham com o Brasil e seu povo. Não temos políticos porque pra eles não existe Brasil, só “PIBEP” o Partido Individualista do Beneficio Próprio. Cadáveres embalsamados em ternos, todos remidos de qualquer vinculo que não seja o pessoal. Chega! Parei de querer entender de política, e desses assuntos que dizem ser ligados ao “nosso interesse”. Simplesmente porque desses assuntos não adianta entender, discutir, debater e sei lá mais o quê, porque no fim tudo se trata de comprar, privilegiar, interesses que excluem diretamente nós, os camponeses dessa terra em erosão.

Enquanto nossos fidalgos continuarem a comer da terra tudo que ela produz, nós teremos de nos contentar com o que escorre de seus cantos labiais. E pensar que se deve esquecer tudo isso. Não! Afinal, nos obrigam a votar. Tudo o que temos, nossa única arma um único tiro, é também um desperdício. Somos obrigados a aceitar donatários quatro anos no poder. Penso! Se nós elegemos com o nosso voto, por que só eles tem o direito do voto quando é pra tirar? Deve ser porque existe renuncia, ou melhor, impunidade! Chego ao ponto onde me culpo por pensar e não tolero não pensar, será que vale a pena escolher o menos pior? Você, na sua vida escolhe o menos pior? A menos pior mulher pra casar? O menos pior carro pra comprar? A menos pior musica pra ouvir? E por aí vai, a menos pior escola pros seus filhos estudarem? O menos pior hospital pra se tratar... Eu acho que não! Escolhemos o melhor de acordo com nossas possibilidades e gosto pessoal. Temos que escolher o menos pior só quando não temos escolha, nesse casso somos obrigados a votar, obrigados a “escolher”.

Antes de sair aqueles trinta e poucos milhões na mega sena eu decidi se ganhasse iria fazer uma campanha na tv logo após o horário político. Ia ser assim “não votem!” Queria que as pessoas não se dessem nem o trabalho de sair de casa pra votar, seria a maior das passeatas, ver as ruas vazias, passando por elas só vento e luz. Todos de braços cruzados em casa, fazendo uma revolução silenciosa em suas próprias alcovas.

Não terão remissão de minha parte! Não darei o direito de serem as vitimas! Foram eles a se conspurcarem nas sombras como morcegos, como corvos! Não podemos agora deixa-los procriar como tinhorões se um dia quisermos pasto fértil. Deixemos os trovões reboarem naquele planalto, deixemos todos burlões morrerem “catrinados”! Todos os que sabem e dizem que não participam, pela omissão, os que não viram, pela mentira, os que julgam, por não se julgar!

Fim a todos que dizem zelar por nós!

Foto por Sebastião Salgado

quarta-feira, setembro 14, 2005

Menina de azul













Menina que corre
Corre agora no tempo,
Sem tempo de parar
Entre um trabalho e outro,
Falta de escolha
Falta de tempo pra brincar,
E o pouco que te sobra pra lembrar
Já é tarde, hora de criança deitar.

Te olho e imagino ver moldura além,
Dorme criança e tente sonhar
Sonhos coloridos e bem vivos
Com pinceis, doces e amigos.
Pinte sua janela e o quer ver através dela.
É no tamanho do olhar
Que vai onde se quer chegar.

Por onde vai a pressa?
Pela porta entre aberta
Ou esquina e ruas a serem descobertas.
Rezo que por onde ande
Encontre quem te acompanhe.
Mais triste que criança triste
É o nó de ver criança só.

Corre criança pelo contorno vermelho
Deixando o vento te levar.
Saindo do foco
Encontre um abraço
E que um dia encontre por quem descansar,
Que um dia encontre e chegue hora de parar.

Menina vai além
Aquém da moldura
Que te fez morada
Além do muro
Que te fez represada
Pés descalços, braço fino,
Cabelo índio,
Rosto escondido
De vergonha apressada
Sem tempo de posar.

Dorme criança e me deixe sonhar...
Sonho de poder brincar
Sonho que deveria toda criança
Poder sonhar...


Creditos:
Tanto pra escrever quanto pra fotografar, nos inspiramos em alguém ou em algo pra começar, neste em particular me inspirei nesta foto do amigo Bruno Miranda. Desde a primeira vez que vi essa foto na casa do Bruno fiquei com ela registrada na minha mente e quando comecei a escrever esse blog ficava sempre querendo colocar essa foto como ilustração, mas nunca conseguia. Ela sempre me pareceu maior, de uma leveza de alma superior. Até que então resolvi parar de pensar nessa foto pra ilustrar o que escrevia, e sim, escrever o que sinto quando a vejo. Não sei se é de gosto, mas é de coração. Obrigado Bruno Miranda!



Pessoa










Queria saber pra que tanto pensar
Queria saber pra que tanto entender
Queria saber pra que tantas palavras
E tantos dicionários analfabetos pra ler
Se tento crer e ser ausente
De toda essa pálida gente
Não serei eu a turfa
Presa embaixo da unha
Pensar é a morte, inicio da razão
A principal causa de tantos cegos corações
Pensar é não compreender
É dizer o que não sente
Mentir docemente pra si
Costurando o coração na alma
Enquanto a mim, nasci assim
Sem perceber como Pessoa
Amando a eterna inocência
E a única inocência é não pensar.

Foto por Bruno Espadana

segunda-feira, setembro 12, 2005

black

Um dia triste, como será um dia triste!? Um dia sem voz que se confirma com olhar de pupila dilatada pela distancia do coração que vai ao longe como um barco preste a encontrar corais?

O egoísmo!? Como será? Será como cair no mar e ao redor de tanta água querer que uma única lágrima tenha mais importância que o pranto de todo oceano?.
Como podem se perder no egoísmo cristão e se sufocar com seus próprios espinhos? Como ser tão mesquinho?

Deve ser tudo isso que estou sentindo!?

E arrependimento!? É ver o tempo secar as magoas, secar a distancia, secar os corpos e deixar tudo ser apenas areia e nada mais adiante ser?

Há muito mais no meu olhar do que um dia de tristeza pra chorar, não vou mais pegar a lança do passado e deixa-la enristada no meu peito. Se tiver mesmo que chorar a dor, seja ela do tempo presente mais que perfeito.

Foto por Bruno Espadana

sábado, setembro 10, 2005

morena

É morena do sorriso de estrelas
Quanta saudade que não se desmancha
Nessa minha esperança que não se cansa
No meu peito, é morena, dos meus braços
Nos meus olhos repousam lágrimas tuas
Com juras prometo ser a teu lado
Um cavaleiro armado
Protegendo sempre em silêncio
O que lhe é confiado

É morena, liberte o coração da caixa pequena
Toque uma música e acenda uma vela
Escute minha voz dizendo que te espera
E que acabe assim sua ida tão desmedida

Minha querida queira me lembrar
Quem foi mesmo o tolo a te deixar
Achar outra morena não mais
Nem com novenas ele achará
Nem se com paciência tentar

É morena, voltarás mesmo por mim
Sendo assim por mais ninguém
É morena abra tua janela para o mar
Constrói pra ti um barquinho
Que te caiba e te traga
Para perto de mim.

terça-feira, setembro 06, 2005

Pulseirinhas mágicas


São tantas as cores dessas pulseirinhas que já nem sei qual cor é pra qual caridade.
Nossa como me impressiona essa tamanha compaixão “pirata” pelo próximo, uma verdadeira hoste gigantesca de bons moços e boas moças marchando mar adentro pra se perder no horizonte das boas intenções. Como são humildes, como são benevolentes!

Como são cavilosos, com tanta bondade nos pulsos, mas em fila carregam um eclipse no coração. Presencio uma legião de pulserados em cenas de estupidez e falta de educação, regadas com uma soberba de causar estranheza até a um Neanderthal. Então afinal pra que servem essas pulseirinhas?

Continuamos os mesmos corsários, devastando portos e embarcações menores que se aproximam de nós, continuamos não respeitando ninguém, não ajudando ninguém, só a nós mesmos, com a eterna pose de fingir ser o que não somos.

Vamos vende-las em camelôs pelas 25´s espalhadas por todo lugar, falsificá-las antes de serem pensadas, preço barato compra qualquer intenção. Pra que pagar caro? Pra ajudar alguém? Se eu posso colorir meu braço quase biônico a pouco custo, afinal sou terceiro mundo, tenho o direito a ter uma alma miserável.

Há! Vamos vender! Vamos comprar, sendo originais ou verossímeis, chinesas ou nova-iorquinas! Vamos Criar coleções, cores diferentes para cada estação, badulaques customisados e penduricalhos assinados pelos bambambans fashionistas, mas tudo com muito glamour e versões falsificadas é claro. O importante é ser sempre quase original!

A moda da caridade e como a mente daqueles freqüentadores de intermináveis missas, que estão ali pra pagar seus pecados diários, diariamente repetidos e perdoados pela máquina religiosa.
Nossa maior invenção, depois da pirataria e da religião, é o modulo de isenção automática de nossas consciências. Será que tem um camelô aqui por perto?

Foto por Bruno Espadana

fractal


Então velho amigo, foi curto, mas um belo reencontro, já se fazia dois anos e muitos acordes, riffs, bases tinham passado por aqui, mas as lembranças daquele tempo nunca saíram desse quarto. Embora cinza, úmido e barulhento, sem duvida o melhor canto da casa. Quantas memórias na parede, quantas músicas presas no ar! Tem coisas na vida que por mais vivida não se esquece, gênero primeira bicicleta, no meu caso primeira bateria e indo mais à frente, líricos fractais...

Caro amigo só me resta o maior dos tesouros, a boa lembrança! A eterna vontade de re-habitar aquele quarto cinza com as cores de suas notas. Caro amigo obrigado pelas noites de interminável paciência e tolerância, por ficar comigo quando outros já tinham desistido e pela confiança, por me emocionar e me libertar, por querer andar junto por mais que eu me atrasasse. Obrigado amigo, por retornar!

sábado, setembro 03, 2005

Recado










Você é assim
Só de olhar
Quero você pra mim
Pra sempre é pouco
Louco quem não é?

Você é assim
Só de olhar
Quero estar onde estás
Se for qualquer lugar?
Me lanço até no verde mar.

Me perdi pra te encontrar
Tanto te achei sem querer,
Que me cerquei de ti
E do que mais virá.

Hoje sou da alma a calma
De viver o dia em paz.
Quero sempre te dar
O que é difícil encontrar
Num só olhar

Você é assim
Feita pra mim
De canto a pranto
Do começo ao fim.

Foto por Mario Guerra Jr.

sexta-feira, setembro 02, 2005

Sou ruim pra título

Desde ontem estou sentindo aquela sensação de “brinquedo novo”, aquele quando a gente ganha não quer parar de brincar e quando para, não para de pensar nas possibilidades das novas brincadeiras. Lembra como era?

É tão engraçado como as coisas simples tomam uma proporção de alegria e contentamento em nossas vidas, pelo menos na minha toma. Às vezes acho que brindo por qualquer festa modesta, basta que me ericem as rugas e num levante de incontinência toda a face segue a ordem em completa desordem.

Comigo foi sempre assim, e sei, não é assim pra grande parte das pessoas que eu conheço, embora hoje, algumas eu realmente já desconheça. Quando lembro que um dia todos nós éramos feitos de chicletes, skate e joelhos ralados, sinto um conforto em saber que da minha essência nada se subjugou. Não tive que sentir meu corpo sendo lançado ao encontro de um talvegue, o que me lembra claramente a imagem daquele coiote do desenho animado.

Pra mim é um grande desperdício a contrafação do sorriso por um Veuve Cliguot, um 18 anos, um lustroso italiano, se as crianças se divertem muito mais com uma coca-cola e pés descalços.

Lá no alto me parece as pessoas que não reconheço mais, são pedaços de carne nobre amparadas por talheres de prata e o comportamento de pungente picardia se torna o prazer de ver tudo em gesso, brando como o sorriso branco-lazer.

O que vai ser de nós meros olheiros impávidos diante de tantas conjeturas moldadas por uma mera inclusão, aceitação, aberração sóciopata!!! Meu Deus, éramos só barro e uma costela e agora quanta borracha moderna, quanta etiqueta e moda, quanto pé de galinha em extinção!

Será que é o fim? Claro que não! Porque eu sei que não sou o único que ri disso tudo!
Será que chega o dia de sermos tudo aquilo que dizemos ser?
Esperaremos pelo amanhã...

Foto por Sebastião Salgado

quinta-feira, setembro 01, 2005

Lembranças

Outro dia ia passando e encontrei um velho amigo e logo surgiram as primeiras palavras ecoando lembranças de um tempo que passa tão apressado que, parece mais que foi ontem.
Pois é depois de andar tanto é que pensamos "onde cheguei?" e por mais que não precise tentar a saudade aponta no coração, confesso que no meu, a vontade era de rever tudo como se tudo fosse um filme de sessão da tarde, sempre há tempo pra mais uma reprise.

Caio na duvida de um eterno clichê que a maioria diz "eu não mudaria nada na minha vida", sei lá, acho que mudaria, ou melhor colocaria algumas coisas atrás da porta! acho que me importaria menos com certas opiniões, acho que ouviria mais certas pessoas, outras mandaria calar a boca e outras não teria a vergonha de ter dado um beijo na boca!.

Pra mim a cabeça é a melhor parte do corpo, nos leva pra qualquer lugar sem sair do mesmo lugar, as pernas cansam, e não chegam lá. E ainda, a melhor parte é mudar de idéia, agora acho que ficaria com o velho clichê. Daria muito trabalho, seriam mudanças intermináveis a procura da perfeição de cada momento, de cada detalhe, aquela resposta, os dias que perdi a hora, aquele cadarço desamarrado, hum! no meio do bate bola, aquela viagem, aquele não, aquele sim, é tanto "si" e talvez, que o melhor é ficar onde tudo está.