sexta-feira, dezembro 29, 2006

Tes jambes




















Ah tuas pernas
Subo por elas
Abro janelas
Ah tuas pernas
Vista vampira
De incomparável
Malicia!

Ah tuas pernas
Encanto pronto
Poção secreta
Ah tuas pernas
De mil mandos
Sobre-humanos

Perco-me
Desespero-me
Eu pobre marçano
Incapaz de decifrar
A metafísica presente
Nos interstícios deste caminho.

Foto por Jorge Oliveira

quarta-feira, dezembro 20, 2006

Esses dias de noites




















Meus sonhos estão gastos
Feito esses livros que releio
Dentro do meu quarto
Pobres esperanças tenho tido
De dias não vindos que virão
Minha vontade é de gritar
Para mudar a paisagem
Da forma mais covarde
Que se possa inventar.

Baixou-me a inconsciência
Talvez uma forma de extorquir
De outros o que não tenho
Minha alma está cansada
Desta pequena vida minha
E apesar de compreendê-la
Não lhe posso tocar
Tudo me fere e arde
Sinto-me um impostor
Por dentro destas vestes
Outro alguém subjugado
A ponto de escolher
Morte para um de dois filhos.

Quantas vezes já pensei em ser
O único comandante deste volante
Mas vejo abaixo o destino reagir
E me levar ao outro lado
Aceito o que a mim foi dado
Sou corpo em forma de fraco
Quem me dera ser criança
Colocando barcos de papel
Em uma piscina em dia de chuva.


Digo-lhe:
-A grandeza de uma alma não está
na percepção das pequenas coisas
e sim no entendimento do que é essencial.


Foto por Graça


quarta-feira, dezembro 06, 2006

R.I.P





























Ergo a mão e abro rapidamente a cortina da janela tentando provocar susto no que me cerca de fora, inútil. Parece que nada os assusta, ao contrario, tudo me assusta e entristece meus olhos, meu nariz, minha boca, meu peito, minha alma.
Todas ambições juntas formaram uma grande e cinza nuvem desaguando uma cor sem cor, sua obra sem vida. Edificações em forma de progresso rasgaram o assoalho que um dia registrou na lapide tudo que já não existe mais e ali se perdeu sobre tudo que se ergueu. Por trás da vitória deles surge a minha derrota em negra solidão, acima um céu vazio deserto de estrelas. A vingança vem em diferentes frentes, mas todas contra nós mesmos. Solução? Culpar os outros, e retornar ao ciclo interminável da nossa condição humana, ser desumano conosco e com nosso habitat.
Fecho os olhos e anseio estar em outro lugar, essa é a minha maquina do tempo, meu teletransporte que dura apenas segundos de paz. Porque a minha frente está o sentido da civilização a construção acelerada do amanhã, a recriação do que seremos. Antes ruas estreitas, casas baixas, vizinhos na calçada, seus filhos correndo pela rua. Hoje nada disso é natural. Estou preso e saudoso.
Não sei se a mim acontece, ou se a todos como eu que um dia viram e agora não vêem mais. Acontece que para mim e para os que sentem como eu, o natural se tornou estranho e diferente. Um bom dia, uma gentileza, um olhar de carinho, uma resposta educada, um ser humano. Nada se encontra mais dentro de nós, me parece que tudo está por fora, o sentido de sermos estranhos responde a pergunta do porque não sabemos ter em nós as respostas, elas migraram, tudo é exterior, é visual, é artificialmente feito para não nos encontrarmos em nós.
Nossa paisagem foi retirada aos poucos e mesmo percebendo sua irregular condição não nos constrangíamos e aos poucos se perdeu a harmonia, achou-se o caos, construíram a artificialidade, redesenharam a alma, apagaram o orgânico, tatuaram o imaginário.
Ainda forço o cerrar dos olhos o céu cai desmanchando o calor. Nevoa branca sobe do chão, estendo meu corpo, toca-me o choro de quem está em pedaços. Respiro alto e desperto. Olho para baixo, cruza a rua larga um homem, cruzam nossos olhos com desconfiança de não saber explicar.
Da janela o horizonte sinistro se move, quente e soturno, morcego com suas asas em vôo inquieto. Uma massa de umidade e calor cobre a cama para o sono da impiedosa tempestade. Em uma hora como esta vagueio meu pensamento vazio e limpo como os pássaros trazendo para si o contraste entre o que criamos destruindo, e o que ainda não foi tocado em vida.
Que Deus ou qualquer, já que existem tantos e tão pouca fé, nos abençoe e nos dê um pouco mais de tempo para que nessa terra ainda se crie sentidos opostos à incoerência do progresso e da ordem.

Foto por Manu Coloma