domingo, novembro 27, 2005

Duas crianças










Quero as balas mais doces e coloridas
O vento frio do escorregador mais alto
As rodas pequenas da bicicleta vermelha
Quero sentir a onda bater na prancha de isopor
O picolé de coco do meio dia com palito sorteado
A sessão da tarde com filme reprisado
Quero o inocente gosto de felicidade no rosto

Quero o algodão rosa do parque barato
O rifle com rolhas e os ursos malhados
O tempo de não perceber que o tempo passava
Quero de volta tudo que foi abandonado
O sonho de crescer com ideal de criança
A ânsia de correr e de ser herói
Quero o inocente gosto de felicidade no rosto

Quero o sabor do churrasco da casa de praia
O cabelo verde do cloro da piscina
Um pouco da terra do morro de poeira
Quero o cachorro Pelé não um qualquer
Os chocolates nas arvores e as mangas frescas
As cartas de baralho espalhadas pela mesa
Quero o inocente gosto de felicidade no rosto

Quero a primeira namorada sem tristeza
As uvas verdes e roxas da noite de natal
Tudo que era grande por eu ser pequeno
E tudo aquilo que chegava devagar e sem tempo
Meus muitos amigos na grama e a bola
As quatro rodas no asfalto e os joelhos ralados
Tragam-me tudo antes que eu não sinta mais nada
Porque o que tenho agora só me cega os olhos
E quando penso é como me trair é como não sentir
Quero de volta o espaço na alma para os sorrisos de infância.

Foto por surpresa atrás da porta


sexta-feira, novembro 25, 2005

Antes de morrer













Aponta a ponta
Na certa acerta
O alvo a seta espera
Acerta no alvo

E se foi sumindo
Zunindo contra o vento
Chegando e acertando
Tiro certeiro bem no meio
Me mudou por inteiro

O sangue correndo
O coração batendo
No rosto vermelho
Os olhos em desejo

Se esperar chego cantando
Se correr corro em pranto
Dor de poeta não tem cura
Não tem manto nem encanto
Que a faça partir

Morri de infarto profundo
Do alto da flecha no alvo
Sussurrei encantado
Seu nome.

Foto por surpresa atrás da porta

quarta-feira, novembro 23, 2005

Até quando















Aqueles são os descontentes subindo a ladeira
Vão depressa com a promessa de voltar
Aqueles são os descrentes saindo de mão cheia
Vendendo suas almas por um pouco de conforto
Enterrados em vida dentro de seu próprio corpo

Pai levanta da cadeira pra olhar
Aqui nem todos fazem do desgosto
À vontade de lutar

Pendura esse cartaz
Diz que pra você
Não é mais um tanto faz
Diz o que você me ensinou
E porque me tornou capaz

Aqueles são os covardes construindo maldade
Pedra sobre terra ao sol cor de sangue
Aqueles são os suspiros da saudade
Indo embora com a verdade
Daquele tempo que não volta
E da demora de dizer que não se nota

Tudo acabando assim
Sem perceber que é ruim
Tudo tão derrepente
Que não se sente o fim
E agora por onde devo ir

Pai levanta da cadeira
Me ajuda a virar a mesa
Pois não sei por onde
E se devo começar
Ou me afogar no desespero
Amarrado na corrente
Dessa gente que não se entende
E se entrega a solidão

Pai vem, por favor,
Me ajuda a dizer um não
Pai por favor,
Vem segurar na minha mão.

Foto por Surpresa atrás da porta

sexta-feira, novembro 18, 2005

22:50




















Os sinais de sua partida ficaram visíveis neste silencio
O tempo se debruçou na varanda escondida do quarto andar
Fazendo de mim e do que ficou abandono e solidão

Não és mais tu uma parte de mim
E sim eu mesmo por dentro de mim
É como ficar órfão de si

Com pernas invertidas procurando cada uma seu canto
Espero o tempo resolver me levar na folha do vento
E colocar minha felicidade num barco de partida

Sua falta só me faz querer-te mais
Deixo meus olhos ante a porta
E neles vejo o chorar
Fez-se destas lagrimas o mar
Enfim pode ir meu barco navegar
Até você e de volta a mim.

Foto por surpresa atrás da porta

terça-feira, novembro 15, 2005

Algum conforto















Já esqueci o que ia dizer, já rompi o pensamento com outra preocupação, meu tempo tem se tornado mesquinho e me deixado longe e só de mim mesmo. Meu cansaço segue apesar de continuar tentando sufocar o que me faz enfraquecer. Vampiros internos estão me sugando e me deixando doente, estou doente! Preciso de tempo e de espaço, preciso respirar algo com alguma cor. Ando precisando muito mais que números e suas operações matemáticas me trazendo algo mais que a conta dos pedaços mordidos da minha alma. É muita sala pequena! É pouca luz! É muito veneno e pouca cura!
Quero um tempo de alguns lugares que considero comum, torturar o tempo até matar algumas verdades veladas, aproveitar e varrer o senso comum que pertinentemente me assombra, me suga o sangue quente e me deixa frio.
Já perdi a mão da caneta e agora passo a escrever somente com a ponta dos dedos, e o pouco que escrevo não escuto, não sinto o tom, tudo é preto e branco como a pálida cor de chuva e de agonia que me adorna, me molda, me fixa. Sou dois corpos sendo um por dentro que luta, se debate, enquanto o outro aprisiona e se contenta.
Há tanto pra mudar, e tudo fica tão inerte, há tanto pra quebrar, e ficam tantos construindo. E os vampiros continuam a caminho, continuam seguindo a mim e a todos, pelos cantos, pelo invisível manto da vaidade, da ânsia, e por todo canto sem cor.
Tragam-me luz! Tragam meus tambores perdidos! Um pouco de papel e caneta! Tragam estacas afiadas! Tragam-me de volta a mim!

Foto por surpresa atrás da porta

sexta-feira, novembro 04, 2005

Redentor




















Não vou te acordar
Queria mesmo só entrar
Talvez ver um pouco mais
Talvez mudar o que ficou
No banco de traz
Ou no tanto faz

Das palavras perdidas
Nos lábios tremidos
Coagidos de aflição
Por querer-te demais
Por esconder-te de ti
Cobri a visão
Cumpri a missão
De te evitar
E não me causar
Traição

Sigo um descaminho sem fim
Me encontro num desencontro
Por fim só assim
Calado me ponho em mim
Fingindo um ser perfeito
Daqueles sem defeito
Que há tempos não se faz

Mas na verdade
Acreditei na simplicidade
De resolver com as mãos
Segurando no peito
Um coração fugitivo
A procura de alivio
Do amor que te dei.

Foto por Paulo Cesar

quarta-feira, novembro 02, 2005

Tão assim




















É preciso ter pressa pra se conhecer a calma
E da alma tenaz se faz um leve coração
É preciso ter força pra se ter e perder
E da derrota aprender como é doce chorar

Digo isso a mim tentando viver em paz
Por tudo que me traz ao contrário que pedi
E se peço mais é por que ainda quero dividir
O que tem demais em ser um pouco infeliz
É preciso viver assim igual e diferente até o fim

Naturalmente sem estranhar
A desigualdade também faz par
Meu copo cheio e o seu vazio
O meu arrepio e a sua palidez
O meu devaneio e a sua sensatez

De pouco a pouco a vida vai nos juntando
Andando lado a lado de braços dados
Sentindo devagar o amor chegar
Pra repousar no lugar devido
E quando nada mais é dividido
Somos eu e você a única parte.

Foto por Dyna Hoffmann