domingo, maio 20, 2007

Novo testamento


E que presságios houve
De um amor em hora errada
Sinais na mais fina areia branca
Onde os pés um dia pisaram
A morte é o mar sem amor
Que furta de nós e oferta a outros.

A curva caprichosa do tempo e destino
Desata o instante mais longe entre soluço e choro
Lembra-me tua carne um arrepio
Dois a sós e desarmados
Por um amor em morte sem testemunha.

Veio sob nós o anúncio
De um amor que fizera
Um novo testamento.

Mas lá no fundo vejo novos namorados
Lado a lado, mão a mão, boca a boca,
Recebendo a sorte de quem um dia amou.

Mesmo triste, sorri.

Foto por Paulo Panicheiro

sexta-feira, maio 11, 2007

Ensaio I


...
Saber que um dia nada serei é saber que nada sou diante das coisas. A vida é maior que nós, o tempo é maior que a vida. A matéria não é nada mais que poeira formada por nossa imaginação particular vivendo em um determinado tempo e espaço. O que cada um vê é diferente em cada um dos olhos. O pensar é colocar para dentro coisas que são de fora. Pensar sobre a vida quando o importante é senti-la, pensar sobre “o que será” quando o que importa “é o que sou”, e qualquer dia chega nesse dia findo o fim de todos os dias. Sendo, não importará mais a vaidade ou a avareza, o esquecer é obra do tempo que o tempo não esquece. O que eu sou importa a mim enquanto durmo o que você é não importará nunca a mim, o guardador do nosso sono é único dentro de nós, e única é a forma como habitamos a extensão do nosso corpo, andar em acordo com o mundo é estar em desacordo com nós mesmos...

Foto por João Santiago

terça-feira, maio 08, 2007

De tudo um pouco


De tudo fica, fica um pouco,
Um pouco de luz no teu rosto
E de amargo no fim do gosto.

Um pouco de adeus nas mãos
E alguns gestos em vão
Ficaram poucas, poucas roupas,
E muito, muito a dizer ainda.

Mas de tudo fica um pouco
Um pouco de cigarro
No maço amassado
Um pouco de álcool
No copo quebrado
Um pouco de descaso
Pelo que traz o acaso
E de tudo fica um pouco
Um pouco de teus olhos
Nos olhos de tua filha.

Um pouco de nosso pó
Um pouco de nosso gozo
Nas camas dormidas
Pelas noites traídas.

Fica um pouco de tudo
No presente, no passado,
No futuro, dentro do corpo,
E em nossos retratos.

De tudo fica, fica um pouco,
Um pouco de vazio
Na lembrança sempre viva.

Foto por Bruno Espadana