terça-feira, fevereiro 27, 2007

Canção (Como era antes do fim)



Se não é e me faz mudar
Deixa ser e me encantar
As cortinas abrem os dias
Por vias que vão me levar
Deixa eu estar com você
Deixa eu ao menos querer.

Duvidei do que enfim seria
A lembrança de te encontrar
Saudade desenha tuas linhas
Por coisas aqui esquecidas
Abrindo um estranho mundo
No baú do mais profundo.

Mas...

É preciso saudade
Pra eu te sentir
É preciso distancia
Pra você estar aqui.

Pois...

Quando chegas és outra
Que não a do teu retrato
Deixa eu fechar os olhos
Deixa eu te ver melhor.

Foto por Bruno Espadana

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Basquiat




















Sempre sonhei muito, dormia sobre o tempo e sem percebê-lo passava abaixo de mim levando meu corpo ao encontro do repouso e minha mente ao colo da preguiça. Até de sonhar me canso, mas nunca me canso de ter sonhado. As horas mortas enterradas por mim me tiraram o peso da realidade e da conformidade que sempre me roubam o sono como quem dorme em uma casa mal assombrada. Acordei hoje cedo revendo a vontade de continuar debruçado nestes livros, relendo as paginas de alguém que não quero me tornar.
Pergunto porque persigo o que não quero? Porque os demônios imperam na realidade, e na realidade os anjos dos sonhos não vivem para nos salvar. Dia que parar de sonhar, morri, entreguei-me a náusea da vida, receitei-me um remédio sem efeito para morrer levando comigo minha pior dor, a dor de viver em mim.
Jean Michel Basquiat 22/12/1960 - 12/08/1988

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Chiiiiiiiiiiiiiiiiiiii














Sonhei e vi assim a vida olhando por mim
Ouvi da lembrança à ausência de ti
Selei na memória a falta da nossa história
Levantei me fazendo crer em vão
Há distancia entre o meu sim e o seu não.

Passa longe sua culpa pelo meu penar
Passo longe da sua rua pra não me causar
Imenso pesar.

Não vou me vingar e te virar do avesso
Sozinha confesso meu desejo
Vou provocar o teu descaso
Vou esconder de ti tudo que faço
Deixar a saudade acordar também do seu lado.

Foto por Graça

sexta-feira, dezembro 29, 2006

Tes jambes




















Ah tuas pernas
Subo por elas
Abro janelas
Ah tuas pernas
Vista vampira
De incomparável
Malicia!

Ah tuas pernas
Encanto pronto
Poção secreta
Ah tuas pernas
De mil mandos
Sobre-humanos

Perco-me
Desespero-me
Eu pobre marçano
Incapaz de decifrar
A metafísica presente
Nos interstícios deste caminho.

Foto por Jorge Oliveira

quarta-feira, dezembro 20, 2006

Esses dias de noites




















Meus sonhos estão gastos
Feito esses livros que releio
Dentro do meu quarto
Pobres esperanças tenho tido
De dias não vindos que virão
Minha vontade é de gritar
Para mudar a paisagem
Da forma mais covarde
Que se possa inventar.

Baixou-me a inconsciência
Talvez uma forma de extorquir
De outros o que não tenho
Minha alma está cansada
Desta pequena vida minha
E apesar de compreendê-la
Não lhe posso tocar
Tudo me fere e arde
Sinto-me um impostor
Por dentro destas vestes
Outro alguém subjugado
A ponto de escolher
Morte para um de dois filhos.

Quantas vezes já pensei em ser
O único comandante deste volante
Mas vejo abaixo o destino reagir
E me levar ao outro lado
Aceito o que a mim foi dado
Sou corpo em forma de fraco
Quem me dera ser criança
Colocando barcos de papel
Em uma piscina em dia de chuva.


Digo-lhe:
-A grandeza de uma alma não está
na percepção das pequenas coisas
e sim no entendimento do que é essencial.


Foto por Graça


quarta-feira, dezembro 06, 2006

R.I.P





























Ergo a mão e abro rapidamente a cortina da janela tentando provocar susto no que me cerca de fora, inútil. Parece que nada os assusta, ao contrario, tudo me assusta e entristece meus olhos, meu nariz, minha boca, meu peito, minha alma.
Todas ambições juntas formaram uma grande e cinza nuvem desaguando uma cor sem cor, sua obra sem vida. Edificações em forma de progresso rasgaram o assoalho que um dia registrou na lapide tudo que já não existe mais e ali se perdeu sobre tudo que se ergueu. Por trás da vitória deles surge a minha derrota em negra solidão, acima um céu vazio deserto de estrelas. A vingança vem em diferentes frentes, mas todas contra nós mesmos. Solução? Culpar os outros, e retornar ao ciclo interminável da nossa condição humana, ser desumano conosco e com nosso habitat.
Fecho os olhos e anseio estar em outro lugar, essa é a minha maquina do tempo, meu teletransporte que dura apenas segundos de paz. Porque a minha frente está o sentido da civilização a construção acelerada do amanhã, a recriação do que seremos. Antes ruas estreitas, casas baixas, vizinhos na calçada, seus filhos correndo pela rua. Hoje nada disso é natural. Estou preso e saudoso.
Não sei se a mim acontece, ou se a todos como eu que um dia viram e agora não vêem mais. Acontece que para mim e para os que sentem como eu, o natural se tornou estranho e diferente. Um bom dia, uma gentileza, um olhar de carinho, uma resposta educada, um ser humano. Nada se encontra mais dentro de nós, me parece que tudo está por fora, o sentido de sermos estranhos responde a pergunta do porque não sabemos ter em nós as respostas, elas migraram, tudo é exterior, é visual, é artificialmente feito para não nos encontrarmos em nós.
Nossa paisagem foi retirada aos poucos e mesmo percebendo sua irregular condição não nos constrangíamos e aos poucos se perdeu a harmonia, achou-se o caos, construíram a artificialidade, redesenharam a alma, apagaram o orgânico, tatuaram o imaginário.
Ainda forço o cerrar dos olhos o céu cai desmanchando o calor. Nevoa branca sobe do chão, estendo meu corpo, toca-me o choro de quem está em pedaços. Respiro alto e desperto. Olho para baixo, cruza a rua larga um homem, cruzam nossos olhos com desconfiança de não saber explicar.
Da janela o horizonte sinistro se move, quente e soturno, morcego com suas asas em vôo inquieto. Uma massa de umidade e calor cobre a cama para o sono da impiedosa tempestade. Em uma hora como esta vagueio meu pensamento vazio e limpo como os pássaros trazendo para si o contraste entre o que criamos destruindo, e o que ainda não foi tocado em vida.
Que Deus ou qualquer, já que existem tantos e tão pouca fé, nos abençoe e nos dê um pouco mais de tempo para que nessa terra ainda se crie sentidos opostos à incoerência do progresso e da ordem.

Foto por Manu Coloma

sábado, novembro 25, 2006

Dia 28...














... Lembrei,

Um dia alguém falou
Saiba antes o que carregar
Não leve só por dar nas mãos
Escolha da vida o que te serve
Para caber no que te faz feliz.

E desde aquele domingo
Por indicação de um amigo
Ganhei seus olhos verdes
Como quem ganha grandes bolas de gude
Como quem sonha em ter aquela bicicleta
Como quem chega e encontra a porta aberta.

Sou feliz assim sendo só seu
Vendo os dias sendo não tão meus
Vivendo a dois querendo mais que três
Te tendo aqui pra dividir
Te vendo aqui repartir
Mais um aniversário
E lá se vão quatro anos
E logo chegam outros e tantos
Mas como são bonitas essas rugas
Aparecendo juntas pra contar nossa história

Nunca foi tão fácil prometer
De quem mais eu poderia ser
Ter de tudo pra te dar
No coração te ter ao lado meu
E no seu ser o lado teu

São eles a felicidade vista
Meu prazer é perceber a cada dia
Sei que é você a alegria
Por traz de meus olhos castanhos
Que você já tinha ganho
Antes mesmo de conhecer.



-Se o amor não dura
Quem disse não mentiu
Apenas esqueceu
De olhar você e eu...



Foto por Bruno Miranda

terça-feira, novembro 21, 2006

...quem?















Não sou poeta, não sou escritor, desentendo o anuncio de tais palavras, pois não vivo nem de um nem de outro, invejo o inverso, o descompromisso, a ausência completa das linhas e contornos apontando a direção. A veste que me serve é minha não ousaria caber em um traje que não o meu. Simples, como posso ser o que nunca fui, como posso querer se não busco, em mim tudo o acaso traz, vou me descobrindo aos poucos feito criança há poucos dias saída do ventre e abandonada pela própria mãe. Renego qualquer adjetivo no sentido de limitar o que sinto, minhas palavras não pertencem a nenhuma ordem, a nenhum intermediário, pertencem ao que da alma colho e remeto ás caixas postais dos olhares que vez por outra caminham por estas linhas. Sou um triturador do espírito, alguém que espreme da calma da alma aquilo que sobra e se esconde.
Cada gota vale o prazer de revelar a mim o museu dos meus sentidos ou o futuro do meu imprevisto. Sou arqueólogo da infinita condição de não saber o que procuro tendo a certeza do que acho. Sim tudo é pessoal, tudo é intimo, não nego! Ante a vida fingi-se a todos, até aos mortos, menos a um, o corpo de dentro por dentro de nós. Sendo assim sou bem vindo a tudo que reconheço como sendo parte de mim.

Foto por Mariana Maltoni

terça-feira, novembro 14, 2006

Conversa ao pé do ouvido




























...
Fico esperando um convite seu
Com inicio com principio
Propicio pra deixar acontecer

Então deixa o sol se pôr
Pra me pôr em ti
Deixa a noite vir
Pra você vir a mim

Como seria ver
E receber
Reler em você
Aquela história de nós

Sinto muito e espero
Não despertar em ti
A culpa da minha dor
É que pousou em meu mundo
A recordação

Só queria te acordar
Pra falar de amor
Sem mais nem porque
Só de mim pra você.

Foto por Manu Coloma

sexta-feira, novembro 10, 2006

Êxtase














Escrevo sozinho no meu quarto, sozinho como sempre tenho sido pelas manhãs e como sempre serei, pois prefiro assim, preciso assim. Penso se a minha voz presa dentro desse arcabouço de razões seria a única, ou se, existe em outros o mesmo que existe em mim? Serão quantos a minha volta? Conhecidos ou desconhecidos? Do porteiro rabugento ao vizinho sorridente, do homem impaciente, ao dono da banca de revistas, quantos tem um quarto seu para abrigar silêncio e tristeza? Sinto que todos! Sinto por todos. Vejo-me no quarto andar dessa avenida, daqui leio do mundo seus lamentos por planos desfeitos que ao juntar-se aos meus me tornam pequeno e egoísta.
Eu me aperto contra a parede e pergunto a mim mesmo: O que você vai fazer hoje? Pescoço de lado olhando sentido chão, vê meus olhos caídos. Vejo-me: uma flor envelhecendo, triste por sentir os ombros arqueando cada vez que pensa em sorrir. Sou como vela que leva o barco, sou como quem vai carregado, me sinto apenas corpo, toco levado pela correnteza.
Tudo é amargo, o gosto do fel goteja em minha língua, conto gotas, conto os dias que parecem acabar em noites eternas cobertas por um manto de erros passados perpetuando um reinado de angustia.
Minha corrente tem dois lados, a segurança de estar vivo preso ao sentido de continuidade inerente a todos que tem no conforto de suas casas e na estabilidade de seus ofícios a felicidade. Pouco, talvez não? Apenas duas caixas de embrulho paraíso dia a dia abertas e varridas para debaixo do tapete da minha porta de entrada.

Foto por Bruno Espadana