terça-feira, julho 25, 2006

Tarde de chuva




















Vi pobres gritando na chuva
O que eles diziam vento levava
Caiam lágrimas do céu cor abandono
Incrédulo escutava, não compreendia,
Quando lembro, relembro talvez avisassem,
A chuva é feito choro de castigo
Dia escuro é sinal de Deus triste
Eu pobre de mim não sabia.

Corria fugindo da mórbida paisagem
Não me furtava mirar seus rostos
Tangidos pelo frio e desespero
Mistura de sal e água impunemente descia
Boca vazia bebia o amargo do dia
Era algo hediondo que ao mesmo tempo
Os alegravam e me entristecia.

Historia que historia de herói não conta
Enigmas de ontem e de sempre
Acostumando nossos corações
A aceitar muro e pedra, moedas e faróis,
Contraindo toda vida ao menor dos insetos
Enquanto a avenida desabriga triste poesia,
Preta e branca fotografia, e agonia, e agonia.

Há tempos evito meus olhos das lentes
Porque a verdade é ver, o sentido é sentir,
Tudo mais é extinto, é abolido, é vago.
A maquina do mundo segue seu rumo,
Gira mundo sua ode cheia de melancolia
Enquanto apenas um desejo me consome
A fantasia de ver curada tanta dor sem nome.

Foto por José Silva Pinto

sexta-feira, julho 21, 2006

Reinvento




















Fabrico outro que não esse,
Sigo talhando nesse carvalho de carne,
Outra imagem e mensagem.
Quero tudo de outro jeito,
Quero que outro seja feito.
Outro que não se prenda a mitos pretéritos
E sim a futuros méritos.
Outro que não seja esse, que já não sei quem é,
Um sem ser este que só faz se perder.

Estou cansado de mim a julgar o mundo pelos meus erros,
Vendo o amanhecer de antigas manhãs pelos olhos de um cadáver,
Imóvel vejo, meu sorriso não veio.
Mistério esse com sentido esquecido,
Abandonado na trilha desfeita feita por pó e poeira.
Volto ao mundo, mas que mundo?
Planto um pé de sonho, nele paira o inverno,
Pelo chão dormem as folhas quebradiças,
Que já não são folhas, restos.

Há muito aprendi a sorrir e agora me pergunto
De quem? De mim? De ti? De nada?
Descansa sobre meus pés terra amarga,
Age como freio trazendo lentos dias
Conduzindo a longas paradas cardíacas.
Bem vinda febre terçã, um pouco de calor a este dormente estorvo,
Um pouco de caso ao descaso.
Estremeço, durmo.

Monto peça a peça cavaleiro em armadura,
Vendido dentro de caixas modernas sabor infalível.
Luta e não morre, sempre de pé enfrenta a justa,
Mesmo ferido segue cumprindo o dever que lhe foi devido,
Forte e sem medo da morte, passo firme confiante na sorte.
Ergo outro a ferro e fogo, nele braço sem nunca ter cansaço,
A mão espada de prata, no sangue flor e vinho.

Reinvento outro sujeito com predicados bem feitos,
Já não posso ser o quero ser,
Assim prefiro ser o que alguém quer ver.
Recoloco outro em meu lugar,
Morto aquele já não faz falta,
Não lembro eu, não lembra você,
Quem jaz morto ou de quem dele viveu.
Agora sei fazer de conta,
Deixo a conta para os lúcidos e para os severos.
A deriva o tempo deixa leve em sua palma
O esquecimento de um dia, de um mundo, de um que diziam ser eu.

Foto por Alexandra Frankel

quinta-feira, julho 20, 2006

Reescrevendo




















Aos meus ouvidos
Grite se preciso for
Só não esconda tão só
Ou a dor crescerá eterna

Apaga-se a luz
No brilho da escuridão
A chave dessa ilha deserta
É deixar o choro
Cair sobre a vela

Tão pequeno e sereno
Mas nunca covarde
Não há de ter maldade
No dia de renascer

Alguém deve saber
De onde vem esse pranto
E pra onde vai tanto
Desencontro

Prever é me enganar
Dizer o que só o tempo
Dirá
Então é ter calma
E deixar sangrar.

Foto por Manu Coloma